O acidente que envolveu dois trens do Metrô, ocorrido nesta quarta-feira (16) próximo à estação Carrão, na zona leste da capital paulista, pode ter sido apenas a ponta do iceberg de um problema maior. Em dezembro de 2010 e em novembro de 2011, o Sindicato dos Metroviários de São Paulo apresentou denúncias ao Ministério Público do Trabalho da 2ª Região, apontando “falhas graves” que teriam sido observadas em alguns trens.
A denúncia mais recente refere-se especificamente à frota K, da linha 3 - Vermelha, a mesma linha onde aconteceu a batida entre os dois trens na quarta-feira. Um dossiê, elaborado por funcionários ligados à Cipa (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) da Companhia do Metropolitano de São Paulo, também foi entregue à Procuradoria.
O R7 teve acesso aos documentos com as denúncias feitas ao Ministério Público. Eles reúnem dados “a respeito de gravíssimos acidentes que expuseram os trabalhadores da categoria metroviária a alto grau de risco”. As falhas apresentadas no dossiê teriam ocorrido nos dias 2, 14,15, 16 e 30 de setembro de 2011 e 4 de outubro do mesmo ano.
Segundo a ocorrência do dia 2, o trem K01 estava alinhado na plataforma Sé, na linha 3 - Vermelha, sentido Barra Funda, quando houve um "estouro e um forte tranco no trem". Foi verificada a existência de fumaça e iniciou-se a retida dos passageiros das composições.
— Houve dificuldade em evacuar todo o trem, pois um dos carros ainda estava no interior do túnel. Após o desligamento dos disjuntores, houve uma nova tentativa de movimentar o comboio numa velocidade de 20 km/h.
Neste momento, um novo estouro aconteceu. O comboio, então, seguiu a 10 km/h até a estação Barra Funda, onde teria acontecido “estouro mais forte, incendiando o carro 5”.
De acordo com a denúncia do sindicato, funcionários e usuários disseram que as chamas chegaram à altura do trem, sendo necessário o apoio da brigada de incêndio.
As investigações realizadas por membros da Cipa teriam constatado que “as caixas de fusíveis do trem estavam presas com parafusos inadequados e, com a trepidação, uma das caixas soltou-se, ocasionando um curto-circuito quando um dos cabos entrou em contato com o trilho energizado”.
A denúncia apresentada ao Ministério Público do Trabalho pelo sindicato é enfática ao afirmar que o incidente colocou em risco a vida de funcionários e passageiros.
— Através das informações técnicas obtidas com a preliminar investigação da Cipa, chegou-se à conclusão de que era possível a energização da caixa do trem, com risco de morte de funcionários e usuários, considerando que a tensão elétrica considerada é de 750 Vcc.
Trem em movimento, mesmo com freio
A ocorrência registrada no dia 14, segundo documento do Sindicato dos Metroviários, refere-se a uma suposta falha em um dispositivo elétrico do trem K07, quando ele teria aplicado freio de emergência e, mesmo assim, teria se movimentado.
— Na ocasião, foi constatada falha no botão de rebocamento, onde se verificou, o trem não poderia mover-se, inobstante, o trem seguiu em movimento por uma estação, e sem sinalizar qualquer falha na cabine líder. Realizados testes, foi constatado que em qualquer posição o trem sinalizava freio de emergência por baixa pressão.
Na ocorrência do dia 15, nova falha foi verificada no trem K01, segundo o dossiê. O problema teria acontecido na "barra detectora de obstáculos [dispositivo de emergência] de frente do trem, devido à queda do suporte do equipamento".
De acordo com a denúncia, “o incidente implicou em grave risco de descarrilamento, caso o trem passasse por cima do equipamento”.
No dia posterior (16), o K01 seria enviado para circulação normal na operação comercial, no entanto, instantes antes de sua liberação "houve uma falha de tração, o trem não se movimentava em ATO [automático] e nem em ATO Red [redundante], com isso, teve que retornar para a linha de testes do Pátio Itaquera".
O mesmo trem voltou a apresentar problemas no dia 30 do mesmo mês. Conforme o documento entregue pelo sindicato à procuradoria, o incidente aconteceu novamente em horário de pico.
— Na ocasião, as portas do trem não abriram de forma automática, somente de modo manual, e em ATO Red, o trem aplicava freio e emergência, e não se movimentava, o que ocasionou excessivo atraso no sistema. Tal falha tem se revelado constante, e que implica, repita-se, em atraso no sistema.
A última ocorrência descrita na denúncia aconteceu no dia 4 de outubro, na Estação Belém, sentido Barra Funda, às 19h20 e envolveu o trem K07. O carro também precisou ser evacuado, pois só se movimentava manualmente.
— Na ocasião, foi necessário que o CCO [Centro de Controle Operacional] criasse estratégia de manobras na Estação [Santa Cecília], porque o K07 teve que ser levado manualmente até o enlace de Sé, razão pela qual o sistema foi operado em velocidade reduzida e maior tempo de parada nas plataformas por aproximadamente 20 minutos.
“Testes no dia a dia”
Na denúncia levada ao MPT, o sindicato é categórico ao afirmar que os trens da frota K haviam passado por reformas e incluídos no sistema metroviário “sem testes prévios”.
— (...) assim os testes, em verdade, estão sendo realizados no dia a dia, com atendimento à população, expondo os trabalhadores que operam nos sistemas a risco constante, de graves acidentes como relatados.
O sindicato propõe Ação Civil Pública, "a fim de afastar o risco iminente de acidentes gravíssimos, com a suspensão da circulação dos trens da frota K, para robustas avaliações técnicas, até que confirmadas as condições de segurança de operação, bem como a condenação da Cia. do Metropolitano de São Paulo, ao pagamento de indenização por danos morais coletivos".
A entidade pediu ainda a instauração de inquérito civil, para que se proceda a investigação sobre a conduta da Cia do Metropolitano de São Paulo, "quanto ao atendimento das normas de segurança e condições de circulação dos trens da frota K".
Solicitou também a imediata suspensão da circulação dos trens da frota K até o término das investigações e reparos necessários, "a fim de prevenir acidentes graves, como os noticiados".
Outro lado
Em nota, enviada no final da noite desta quinta-feira, o Metrô disse que "ao contrário do que afirma o sindicato, os trens modernizados da frota K cumprem extenso protocolo de testes antes de sua entrada em operação comercial". Segundo a empresa, "falha em trens e equipamentos eletromecânicos fazem parte do cotidiano do Metrô, que possui equipes de manutenção sempre à disposição".
O Metrô informou ainda que, desde 2001, os investimentos no transporte vem crescendo e que, em 2011, foram gastos R$ 614,6 milhões com a manutenção do sistema.
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